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Mostrando postagens de abril, 2010

DESTINO DE LOBO

CALADA DA NOITE

         Ana, anã, Aninha: Seu nome, seu sentimento no mundo, seu apelido. Veio ao mundo de forma descuidada, sem muita festa pela sua existência. Cresceu sentindo-se em deslocamento constante, não fazia parte daquela trama de acontecimentos cotidianos. Fofocas, fingimentos, rancores. Questionava a inteligência humana. Seu cachorro e seu gato pareciam-lhe mais sábios. Sentia a vida de outra forma. Ouvir silenciosamente seu coração pulsando era mais importante que gastar a vida com picuinhas presentes na boca dos outros. Tinha ouvidos sensíveis, por isso preferia seus discos e livros ao falatório dos encontros de família.  Seu passatempo era sentir o sossego da vida pela janela que apontava a madrugada. Todo sábado, duas da manhã, abria sua janela para compartilhar o nada e trocar pensamentos ao lado de sua gata de olhos amarelados. Gostava do cheiro da rua deserta, dos automóveis ausentes e da vida passando sem pressa.           E foi numa noite sem luar que Ana viu tudo.  Naquele

CHARADA DE ÔNIBUS

         O ônibus quase vazio permitia aquele momento de tagarelice entre eles. Sentei-me estrategicamente próxima aos dois. Os gestos exagerados do cobrador e a expressividade do rosto do motorista, mostradas por meio do espelho retrovisor, davam-me a sensação de assistir a um filme, ou melhor, a uma peça teatral. Cenas da vida real. A conversa girava em torno do futebol, da doença de um tal Batista, da mulher de João Pedro, do calor, da Prefeitura... Confesso que minha atenção oscilou várias vezes entre o trânsito lá fora e aquela conversa ora monótona, ora interessante. Mas foi uma frase do motorista que me trouxe definitivamente para aqueles dois personagens: - Você gosta de charadas?       O cobrador olhou um pouco assustado com o ar infantil da pergunta, mas logo entrou no jogo: - Ah, sempre fui muito bom nisso!! Manda aí!!        O Motorista nem parou pra pensar e já foi soltando: - O que é o que é, que TODOS têm dois, VOCÊ tem só um e EU não tenho nenhum?     Pela primeira vez,

HISTORINHA ORDINARIA

CACUVA

   Era dia de mercado. Com sua fome de leão aguardava ansiosamente os pais chegarem das compras. Ao primeiro sinal do ronco de motor na garagem, correu para receber as sacolas recheadas de novas guloseimas em forma de potes e pacotes. Sentia prazer em abrir as coisas recém saídas das prateleiras do mercado. O pacote de bolacha recheada foi a primeira vítima. A bandeja de presunto fresquinho foi aberta com o cuidado de um cirurgião plástico, estica dali, corta daqui e desliza suavemente para o prato de frios. A geléia de uva foi a escolhida por ele naquele dia. No entanto, poucos segundos antes de concretizar o movimento giratório de quem tenta abrir um vidro de geléia ainda virgem, a mãe deu um grito: - NÃO!       O leão, digo, o menino olhou assustado para a mãe. - Não ouse abrir isto antes de terminar a geléia de cacau que está há mais de uma semana na geladeira! - Mas... Mamãe! Por quê? A de uva é mais gostosa! - Bem por isso. Daí ninguém mais come a que está na geladeir